sexta-feira, 27 de maio de 2011

10 Motivos Para Ser um Historiador*


1 – A Faculdade
Não é por mera curiosidade ou distração que quarenta e cinco pessoas ingressam anualmente no curso de História da UFPa. “Vencer na vida”, “entrar para o mercado”, “conquistar espaços” também nem lhes passa pela cabeça. Quase sempre terminam o curso na corda bamba entre a academia e a sala de aula. Nunca sabem exatamente se estão estudando o presente ou o passado. A maioria relata já ter ouvido vozes. A maioria confessa que entre estudar muitas horas seguidas e não estudar nada dá no mesmo. Alguns não conseguem manusear um lápis 2B. De cada dez alunos, pelo menos um já admite ter reprovado em testes psicotécnicos. De cada cinco alunos, três, quando fecham o olho, enxergam a famosa insígnia de Che Guevara. As monografias são individuais. E perigosas, pois fazem chama verde.
2 – O Papel Social
O Historiador passa sua formação inteira se convencendo de que ele TEM que fazer alguma coisa pela humanidade. Daí são horas ao se imaginar conduzindo multidões rumo à luta de classes. Alguns são mais resumidos e apenas trocam o sapato de couro pelo sintético. Como se já não fosse suficiente, o Historiador deseja pagar as faturas do carnê bancário. Então, ele TEM mesmo é que trabalhar.
3 – O Trabalho (1)
Os professores de História se contentam em serem os mais amados para a galerinha do cursinho. Os professores de História podem ser os mais boçais para a galerinha do cursinho. Os professores de História não gostam dos livros de História, os didáticos. E por não gostarem dos livros didáticos, elaboram apostilas. Os alunos de História não gostam das apostilas e preferem os livros de História, os didáticos. Os professores de História não são didáticos.Os professores de História odeiam água natural, ventilador e máquina de xerox. Os professores de História adoram café, ar-condicionado e estagiárias. Os professores de História odeiam professores de História. E odeiam mais os pesquisadores. Os professores de História são pesquisadores e não fazem mais do que a própria obrigação.
4 – O Trabalho (2)
Os acadêmicos em História são como andorinhas de verão voando em V, congruentes.
5 – O Calabouço Teórico
Um dia ele vai te pegar, Historiador! Com o Boom de livros, minisséries e filmes com temas históricos, o Historiador se vê às voltas com perguntas célebres como “Elvis morreu?”, “Hitler era gay?”, “Quem era esse tal de Galvez?” ou nem tão célebres como “Quando Heliogálabo nasceu?”. Um alerta curioso aos curiosos: o Historiador é um ser confuso e qualquer informação por ele gerada poderá ser refutada. Caso ninguém faça imediatamente, ele mesmo fará, quando passar a ressaca.
6 – História é Literatura (e vice-versa)
Eu poderia citar um zilhão de exemplos. O que mais me apetece é o fato de que onde se encerra o estruturalismo de Foucault é, então, o começo do anedotário de Kurt Vonnegut.
O segredo da loucura, em um parágrafo:“A insanidade incipiente de Dwayne* era, claro, principalmente uma questão de elementos químicos. O Corpo de Dwayne Hoover estava produzindo certos elementos químicos que desequibravam sua mente. Mas Dwayne, como todos os lunáticos novatos, também precisavam de algumas idéias ruins para que sua loucura pudesse ter forma e direção” (Vonnegut, Breakfast Of Champions, 1973)
7 – História das Religiões
A Enciclopédia Britânica lançou, em 1974, uma edição de luxo da Bíblia Sagrada. Logo na folha de rosto, os diretores esclarecem: todo o material reproduzido ali está sob o Copyright BARSA, à exceção dos Salmos para o qual foi usada uma versão portuguesa do R. Pe. Leonel Franca por permissão especial do Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, central a quem pertencem todos os direitos. Também constam imagens. Muitas. Todas de Copyright da Catholic Press. BARSA, Provincial da Companhia de Jesus e Catholic Press. Todo mundo revestido de Copyright para textos de propriedade intelectual do Espírito Santo. Que já teve muita briga por conta disso eu sei. Tanto é que essas Bíblias foram sacrificadas por pragas vindas do céu, como a umidade e as traças, que no caso do meu exemplar, já comeram todo o Pentateuco.
8 – O Reconhecimento
E. P Thompson já tinha escrito a Formação da Classe Operária Inglesa na década de 60 quando os olhos do mundo se voltaram para a iminência de uma guerra nuclear. Ao militar contra a Era Reagan e ao mesmo tempo romper com o marxismo ortodoxo, Thompson deu nó em trilho. Brincalhão, ele saiu fora do Partido Comunista Inglês e fundou um grupo de discussões que resultou na comunidade Historiador não entende piada. Ouvi dizer que para fugir do assédio se mudou da casa número 20 para a 22. Também que seu temperamento está exposto no Museu de Arte Contemporânea de Londres.
9 – O Prestígio
Tem historiador que é celebridade. Não há mal nenhum nisso.Em fulgurante palestra, realizada em 2004, o auditório do Colégio Rego Barros ficou realmente apinhado para ver a napoleônica interpretação de O Vermelho e o Negro de Sthendal. Todos queriam ver de perto o palestrante, autor de O Queijo e os Vermes. Carlo Ginsburg usava uma pronúncia familiar a poucos. Não era de bom alvitre piscar ou olhar para os lados. E quando foi possível entender algumas das suas frases, aí sim, todos se olhavam, lívidos, como se tivesse saído um gol.
10 – A Aposentadoria
noturnas, diabólicas por excelência, regadas a monografias criptografadas, analgésicos com café preto e cigarro.

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